30 de julho de 2015

Trovões de areia


O cliché das pegadas na areia rastreava um caminho displicente de fim de tarde, até à enchente sonora. Parou.
(...)
Se fechasse os olhos, ali, no meio da baía despovoada, ouvia as ondas na areia como trovões, a ecoar por todo o céu na terra. Uma trovoada sem relâmpagos que, no entanto, era possível imaginar e ver, raiados a branco com muitos braços, no escuro das pálpebras cerradas através das retinas queimadas do sol. Um trovão com início e um longo durante... de luzes a estremecer áreas distintas do nebuloso negrume, cujo fim se perdia por entre o troar de novos começos. Um céu inflamado e brusco, completamente ausente mas descido à terra pelas curvas ressoantes.
De olhos abertos podia conhecer-se o engano e perceber de onde eclodira a imaginação. O combate entre o sólido dunar e o líquido aquoso. De olhos abertos impunha-se a colisão de matérias que não eram apenas ar mas através do qual a mansa batalha se alargava a rugir, espraiada pelo longo comprimento da praia. Um som nascido de cada fragmento de onda perpétuo e cadenciado em ecos no anfiteatro terreno. A luz do sol espumada a branco nas orlas do azul e a transparência de orifícios sugando a água por entre os grãos de areia creme.

Naquela praia ampla, o som embateu na mulher despojada projectando interiores e exteriores diversos, plenos da paz e do tumulto nativos que ela própria continha. O pensamento e os sentidos cruzaram-se na contemplação natural, conectando o corpo e a mente, gratos por serem humanos e poderem ser tão felizes com a realidade como com a ficção.

Alvor, Junho ou Julho de 2015

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