17 de agosto de 2015

Desen...Canto


Canto o desencontro...
dos pés...
sustendo as pernas a passo,
tacteando as nervuras do chão,
e que alongados no espaço
me riscam a direcção.
E se de algum eu me esqueço,
para evitar um tropeço
contorcem-se sobre a calçada,
mantendo-me equilibrada.

Canto o desenlace
das mãos…
pelos braços articuladas
em volutas de afinidades
e que juntas ou separadas
gritam mil actividades.
Com punhos fechados, em força,
ou num gesto em que se torça,
desatam-me os nós com perícia
ou inventam-se uma carícia.

Canto o desembaraço
do tronco...
que a todos estrutura e une.
Por tractos ocultos reúne
alimento, asseio, respiração,
o estralar de um coração.
É ele que me curva e levanta,
que me define a postura,
soltando expressões na garganta
de vento vibrado em clausura.

Canto o desencadear
da mente…
que me extravasa a cabeça
atenta à multidão de sentidos.
Recolhe-os no mundo e alicerça
outros novos ou reconstruídos.
Muitas vezes não se cala
e mói-me o juízo, a despique.
Rodopia, a minha psique,
e é preciso acalmá-la.

Canto o desencosto
dos dias…
que quebraram o feitiço,
de uma dor firme, em tortura,
traçando pelo corpo o esquiço
das sendas para a sua cura.
Porque hoje há, em cada hora,
um riso que volta e comemora
a acção presente, incontida,
da energia pura, desen... vol... Vida.


08.2015

30 de julho de 2015

Trovões de areia


O cliché das pegadas na areia rastreava um caminho displicente de fim de tarde, até à enchente sonora. Parou.
(...)
Se fechasse os olhos, ali, no meio da baía despovoada, ouvia as ondas na areia como trovões, a ecoar por todo o céu na terra. Uma trovoada sem relâmpagos que, no entanto, era possível imaginar e ver, raiados a branco com muitos braços, no escuro das pálpebras cerradas através das retinas queimadas do sol. Um trovão com início e um longo durante... de luzes a estremecer áreas distintas do nebuloso negrume, cujo fim se perdia por entre o troar de novos começos. Um céu inflamado e brusco, completamente ausente mas descido à terra pelas curvas ressoantes.
De olhos abertos podia conhecer-se o engano e perceber de onde eclodira a imaginação. O combate entre o sólido dunar e o líquido aquoso. De olhos abertos impunha-se a colisão de matérias que não eram apenas ar mas através do qual a mansa batalha se alargava a rugir, espraiada pelo longo comprimento da praia. Um som nascido de cada fragmento de onda perpétuo e cadenciado em ecos no anfiteatro terreno. A luz do sol espumada a branco nas orlas do azul e a transparência de orifícios sugando a água por entre os grãos de areia creme.

Naquela praia ampla, o som embateu na mulher despojada projectando interiores e exteriores diversos, plenos da paz e do tumulto nativos que ela própria continha. O pensamento e os sentidos cruzaram-se na contemplação natural, conectando o corpo e a mente, gratos por serem humanos e poderem ser tão felizes com a realidade como com a ficção.

Alvor, Junho ou Julho de 2015

Destaques

Feriado

O tempo livre da manhã cedo ping a do beirado alaranjado  de telhas de meia cana ping a  porque molha tolos por entre o café quente do feria...