17 de abril de 2020

O X marca o tesouro

       “Oh diabo! Como é que tinha chegado àquela situação?

Uma cantilena antiga ecoou-lhe na memória: “Chico-penico! Chico-penico!”

… Vinha do recreio e das ruas, de quando os outros putos queriam vê-lo espumar. Chiquinho era um miúdo franzino, com uma força na guelra que só mais tarde lhe chegaria aos braços. Dava gozo espicaçá-lo!

Só que, no salto da idade, o “Chico-penico” cresceu em “Xicão”, adotando um X, mais estiloso. Impulsivo, chamavam-no para impor respeito e apartar confusões. Por isso vivera muitas, tantas que o corpo parecia um álbum fotográfico, acumulado de marcas. Mas o álbum foi-se esgotando, como uma caderneta de cromos gasta. 

Assim, sem confessar, ficou agradecido quando o puto “Marquito” por acaso cresceu para se chamar “Marcão” e ele pode finalmente passar a ser o “Sr. Francisco”.

O trabalho que o deixava ser “Sr. Francisco” surgira como tudo na vida. Alguém precisava de qualquer coisa e ele reagia, sem pensar. 

Francisco tinha jeito para motas, souberam disso e chamaram-no. Depois aprendeu o resto. Só a partir de então tomara a vida nas mãos: escolhera uma casa, escolhera a mulher, escolhera a igreja, a paz e o sossego. Por consequência chegaram-lhe contas, filhos, sermões, achaques e dores nas costas.

Agora porém, à saída da oficina, espantava-se com a visão da dianteira do carro, fumegante, espetada na lateral do automóvel de um cliente. 

O tipo tinha-o xingado de “Xico-esperto”… e Francisco avaliava-se pela primeira vez: “Oh diabo! Seria possível alguém mudar? Ou só mudavam as circunstâncias e aquilo que nos deixavam ser?


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