O cliché das pegadas na areia rastreava um caminho displicente de fim de tarde, até à enchente sonora. Parou.
(...)
Se fechasse os
olhos, ali, no meio da baía despovoada, ouvia as ondas na areia como trovões, a ecoar por
todo o céu na terra. Uma trovoada sem relâmpagos que, no entanto, era possível
imaginar e ver, raiados a branco com muitos braços, no escuro das pálpebras cerradas através das retinas queimadas do sol. Um
trovão com início e um longo durante... de luzes a estremecer áreas distintas do nebuloso negrume, cujo fim se perdia por entre o troar de novos começos. Um
céu inflamado e brusco, completamente ausente mas descido à terra pelas curvas ressoantes.
De olhos
abertos podia conhecer-se o engano e perceber de onde eclodira a imaginação. O combate entre o sólido
dunar e o líquido aquoso. De olhos abertos impunha-se a colisão de matérias que não eram
apenas ar mas através do qual a mansa batalha se alargava a rugir, espraiada pelo
longo comprimento da praia. Um som nascido de cada fragmento de onda perpétuo e
cadenciado em ecos no anfiteatro terreno. A luz do sol espumada a branco nas
orlas do azul e a transparência de orifícios sugando a água por entre os grãos
de areia creme.
Naquela praia
ampla, o som embateu na mulher despojada projectando interiores e exteriores
diversos, plenos da paz e do tumulto nativos que ela própria continha. O
pensamento e os sentidos cruzaram-se na contemplação natural, conectando o corpo e a mente, gratos por serem humanos e poderem ser tão felizes com a realidade
como com a ficção.
Alvor, Junho ou Julho de 2015
Sem comentários:
Enviar um comentário