11 de dezembro de 2022

Do Arco-da-velha

O raio de um arco
(Que o parta!)
irisou-me a retina
no diâmetro da tarde

Que espanto!
Era enorme e vi-o
(Não me deve ter visto)
arredondado
a disparar gotas 
como flechas
em inglês
em alemão 
(Retesei os olhos 
a tentar captá-lo)
através da corda 
hirta de nuvens
(fugiu-me das mãos)

Era um arco de chuva
sobre a minha concha
e quis vir escrevê-lo 
nas línguas
nas lendas
nas lingua-lendas
Quando foi ponte de Iris
do céu para a terra.
Quando molhou as barbas 
de Noé 
pela eternidade
(como a velha arqueada
nos contava por cá)

Era um arco relâmpago 
na boca de Itália
depois das tempestades
e um simples arco
no céu francês
Mas por baixo
da língua da minha terra
(e de outras 
que se viram gregas
para o admirar)
tinha as cores dos olhos
e dos lírios ao sol
à espreita

Pois...
o raio que o parta
do arco
partiu-me
Escrevi e apaguei
escrevinhei e rasguei
(Não fluía... só pairava)
a água em suspenso

a caneta em suspense

Devia ter tirado os óculos
As gotas frias
a bater na emoção
(Leve, levemente,
como quem
chama por mim)
condensaram-se
Embaciaram-me!
Tive de ir buscar um pano
... e usá-lo
para poder ver
(Não se pode desistir
de uma aliança)

Fotografia de Rui Perpétuo 




20 de novembro de 2022

Isto não é o ciclo da água

É Novembro...
por baixo dos pingos da chuva.
Casacos e chapéus correm
fugindo dos pingos da chuva
e todos os preços sobem
por entre os pingos da chuva.
Não faz mal
que caiam os pingos da chuva.
porque as janelas fecham-se
por detrás dos frios da chuva
e a luz de casa reflecte-se
por todos os prismas da chuva.
É bonito.

Precipitação,
Infiltração,
Evaporação e transpiração,
Condensação.

Entretanto,
mais do que os pingos da chuva,
cresce o lucro dos magnatas
infiltrado e de branca luva
e os rios enchem cascatas
e há homens que vivem na rua.
Nas TVs
digitais, sem riscos de “chuva”,
falam de uma recessão
e contam-nos, os manda-chuva,
que a guerra é a explicação,
não houve qualquer falcatrua.
Podia ser…

Infiltração,
Evaporação e transpiração,
Condensação,
Precipitação.

É Novembro,
nuvens precipitam-se em chuva,
tão natural como a água,
como a sede que a anseia e louva.
Só que a recessão é ambígua
repete-se
para quebrar a rima.
Repete-se para
partir o ritmo.
Não muda o compasso da chuva
mas atinge-nos caída “do céu”.
Faz parte de outro ciclo.

O da chuva é natural.

O da recessão,
não.

27 de outubro de 2022

Até já, amigos!

Encontramo-nos,
às vezes,
quando andamos por aí, nos dias,
velozes como patins.
Entretidos a colher maçãs,
a esmiuçar-nos em causas,
ou ensarilhados nos fios,
elétricos,
das comodidades.
Quando nos vemos
nem sempre nos encontramos
mas se isso acontece
criamos estupendos padrões
com os fios de sangue
que trocamos
e tecemos juntos
em novas mantas de conforto
e em tangas de luar.
Cozemos uns nos outros 
os valados e os abismos.
Erguemos os cumes na concha das mãos.
Batemos as palmas,
como asas,
desabridas de alegria,
a cada estória de sucesso,
a cada riso ou gargalhada.
Há outros que encontro,
também por aí,
que projetam aqui o de si,
que refletem as suas couraças
e apenas se espelham,
à superfície.
Pouco importa, são supérfluos.
Mas vocês não.
Vocês não...
porque juntos formamos um nós
que não precisa de se distinguir
de qualquer eles
para definir sabor a nós.
Porque nós amamos
fazer compota com a polpa das frutas
e alimentamo-nos da nossa energia 
em modo wireless
pelas diversas telas onde pintamos
amoras, abraços, aldeias,
balões, brincadeiras, bilhares,
corridas, canoas, canções,
danças, divagações e debates...
todo um alfabeto de energias
fixado em memórias
na mente
no corpo.
Às vezes, quando ando por aí nos dias,
velozes como patins,
não vos encontro,
mas encontro-as a elas
e faço-lhes companhia
até vos voltar a encontrar.
Até já, amigos!

24 de outubro de 2022

Naturalmente incorreto


Escrevi um texto
escrevi um texto há bocado
com toda a indignação das emoções primárias
bebidas em segunda mão no noticiário.
Nasceu-me um texto zangado
porque é em lutas que soluçamos os dias
com lentes parciais
saberes desconexos 
mal articulados.
Não lhes estou imunizada,
às emoções do umbigo,
às armadilhas de ser o ponto um
onde inicio os pensamentos que emano
ao emprenhar de ouvido 
(por muito que tente limpá
-lo).
Sim... É verdade
chegou-me a autocrítica de lixívia e pano
que eu
escrevi um texto zangado
e agora podia apagá-lo.
Nem meia hora volvida e sei que ele não é total
que me emocionei demasiado 
e que
juntei três de ontem com um de hoje
que há egoísmos no seu resultado.
Envolvi-me demais e não vi as vistas largas
todos os pontos de todos os lados.
Não ficou bem estruturado.
O que escrevi é parcial e então podia apagá-lo...
Não está em mim
só o escrevi há bocado
Mas não vou
Vou lá
deixá
-lo
Deixá-lo vivo para que seja lido
ou para que seja ignorado
Ele que se faça à vida
porque se assemelha a ela
incompleto e parcial
parido pela emoção
não só razão 
nem tão só informação

Nasceu um texto mal formatado
que não era perfeito
ainda há bocado

11 de maio de 2022

Anfiguri no séc. XXI

 

Era não era
foi lançado na guerra
num mar que era negro por baixo da terra,
O urso berrava,
a cegonha gemia
e por cima pairavam as asas da águia,
que as lutas de poder são uma pandemia.
Por lá, nas batalhas, ele intervinha
com as unhas dos pés,
que armas não tinha.
Gritou pela NATO!
Chamaram-lhe pato.
Gritou pela União!
Obteve um pião.
Gritou pela Rússia,
Quiseram autópsia.
Num folheto da ONU conheceu a paz,
mas precisava de armas para ser capaz.
Da UE vinham chinas,
dos States afegãs
e entravam nas TVs a lançar avelãs.
Uma das pevides
bateu-lhe no olho
e na sua mente nasceu um piolho.
Não tinha Quitoso para se lavar
e pra ter liberdade tinha de finar.
Havia apenas outra solução:
limitar os partidos com opinião!
De runas no peito,
feito nacionalista,
pouco lhe importava
se o vissem fascista.
Chegou a carta do direito mundial:
“Rasputin era morto...
e Zelen por nascer.”
O que havia o moço então de fazer?
Com o ramo de Bétula agitou girassóis,
virou-se na cama
e puxou dos lençóis.
Quis contar carneiros e via oligarquias
mascaradas algumas de democracias.
Mas sem matar ninguém...
sentia vergonha
de deixar o urso montar na cegonha.
Atirou-lhes bombas,
acertou num artelho,
e escorreu-lhe o sangue
até ao joelho.

8 de maio de 2022

Desejo gelado


- "Meeeu Deeeus!"
Atirou o puto ao sol,
à bruta gritou na rua.

- "Meeeu Deeeus!"
Apoiando-se à parede
como que a fincar na pedra
o calor preso da fila,
enorme, corada de gente,
em frente da geladaria.

- "Meeeu Deeeus!"
Sem o cone na mão,
a derreter o tempo.

- "Meeeu Deeeus!
E se isto não é poesia
eu nada sei de expressão.

12 de abril de 2022

Vaitu


Cumpro-me se enfrentar o medo,
há estrategas na batalha dos Media,
e agir, apenas ser ou estar.

13 de março de 2022

Retrato repetitivo em geometrias de guerra (Perspetivas)


Vista explodida, sem paz
E...
Agora as mulheres vão
com crianças pela mão…
Só mulheres e crianças…
mais crianças e mulheres…
Distanciam-se os viveres
sob explosões e ameaças.
São as mães, as tias e avós,
filhos, sobrinhos e netos,
de ontem rasgaram afetos,
vão juntos, sentem-se sós.
Atrás das mulheres vão
as crianças pela mão,
atravessando as fronteiras
que as designam estrangeiras.
São diagonais de longe,
retas que atingem de perto
uma alma surda que range
o destino feito incerto.
Atrás das mulheres vão
mais mulheres e crianças
com crianças pela mão.
É o feminino em fila
uma infância posta em linha
de fuga. A profundidade
sem convergência não tinha
um horizonte e esperanças,
pois quando esta se afunila
persegue-se outra verdade.
Vista explodida, loquaz,
da ilusão que se desfaz.

Na ampulheta se escoam,
quem sabe se voltarão,
as crianças e as mulheres.
Pra trás, fica a outra metade,
olhos d'água, ansiedade.
São vivos ou já cadáveres?
Homens cravados na terra
improvisados na guerra.
Entre três pólos opostos
as armas, nervos e sustos.
Cravados na sua terra,
perspetiva de três pontos,
homens forçados à guerra.
Peões num jogo maior
de forças e do agressor.
Há pólos na horizontal
de grilhões e fel compostos
muitas omissões e apostas
que os forçam à vertical
para não quebrar as costas.
Homens compostos de guerra,
entre três pontos, arestas,
cruzados sobre a sua terra,
tornam-se nacionalistas.
É deles o contraplano
cujo corpo apara o dano
e da vista militar
vem medo do nuclear.
Visão explodida, eficaz,
em peças mais um país.

No plasma, o olho de peixe
remonta o lego das peças
em notícias ao segundo.
Faz heróis, destrói esperanças,
há mortos, explosões e fumo.
Dicotomias com pressa,
(o complexo que se lixe)!
tudo é pra mostrar ao mundo,
menos o que não interessa
ao seu clicbait de consumo.
E por entre as distorções
surgem os glitches e falhas
das bocas de alguns cabrões:
“Lá vem uma, lá vão duas,
refugiadas a chegar.
Uma é minha, outra é tua,
com fome hão-de aceitar.”
(- Vão de retro, seus canalhas!
Hienas do patriarcado,
que vos mirre e caia o nabo!)
Em mesas, várias nações
infladas fazem gravatas
ao direito que sobeja.
Querem armas e sanções,
triste paz que se planeja.
E com preços a subir
é muita ironia ouvir
que o problema é rimar
corrupção com adesão.
Todos temos de mudar.

Foi esta explosão mordaz?
Ou fratal de humanidade
inconseguida, incapaz?
Queria ver o reverso
diagrama de construção,
de aceitação do diverso.
Viver sem rivalidade
no gasto e organização,
vista explodida, quiçás,
apta pra alcançar à paz!

9 de fevereiro de 2022

Striptease


Aos poucos dispo as peças,
disposta a um striptease...
de fés que usei ao segundo
no tempo em que amava o mundo.
Mas podem hoje cair lestas,
falta tesão que as suporte.
Não são valores em crise,
são trapos velhos, má sorte.
Sigo o ritmo em striptease
p'ra que cada fé deslize
com os acordes da Pop.

Tiro o altruísmo primeiro.
Agito-o ao som frenético
de um egoísmo genético.
A empatia cai por inteiro
e jaz de estertor artístico
pois repudiar é valor
se a diferença se estranha
e o indivíduo se entranha.
Depois desenfio o amor
dos fios do tear místico.
Sai devagar mas compensa,
tráz a paz da indiferença.
Como há muitas verdades
vou-as destapando à vez
p'ra criar afinidades
no logro e desfaçatez.
Por fim rasgo-me a coragem
que ainda agora me cobria,
faz-me parecer selvagem,
é mais moderna a fobia.

Nua por ti, finalmente,
Alma a cru, para agradar,
Sem nada, mal-afamada,
Mundo que encaro de frente,
não te consigo aceitar!
Só não me sinto culpada
e vejo então o meu fracasso:
Ficou a inocência escondida,
por dentro, e trás no regaço
a roupa que foi despida.
Diz que a vista e vá à vida.


E eu coro, visto-me e vou.


09.02.2022



4 de fevereiro de 2022

Esfingimento

 

Nasço às vezes da Quimera
de sentido e união.
Neta de cobra e tufão,
gente absurda mas sincera.
Ao nascer vou colorida,
Pandora de caixa cheia,
mas surgem questões à vida
no real da caminhada
e vejo que estou travada.
É isso que desnorteia.

Nasço às vezes da Quimera,
irmã de quem me restringe,
sou bloqueada p'la Esfinge,
forçada a ficar à espera!
Ela ordena interrogações
E eu finjo, finjo em vão,
que controlo as emoções,
que sei respostas a dar,
ou que elas, se aguardar,
um dia me encontrarão.

Nasço às vezes da Quimera
e não sei o que lhe faça.
Por vezes acho-lhe graça,
outras, já me desespera.
Escritora esfingidora,
que não pode ser poeta,
esfinge tão completamente
as utopias que sente,
 em mitos questiona a dor
para ver se se liberta.
 

04.02.2022

Destaques

Feriado

O tempo livre da manhã cedo ping a do beirado alaranjado  de telhas de meia cana ping a  porque molha tolos por entre o café quente do feria...