23 de outubro de 2023

Nos trilhos da Estrela


Ao chegar
vejo-te ao longe
ensimesmada gigante,
Estrela minha, ascendente,
e a cada sazonal regresso
tu quieta
do teu regaço
ofertas-me os vales e montes
de quem anseio um abraço
dispões lagoas e fontes
para desaguar do cansaço
e vestes 
a mais viva cor
rubra em matizes, no ocaso.

Cerzida de urze
e giesta
por entre granitos rolados
embalas os filhos nos galhos
que resistem à razia
de incêndios
acumulados
de solos abandonados
e dos invernos de idades
a carpir-te de saudades.
Serra que gera e que morre
solidez que gela
mas chove,
ciclo natural de esperanças.

Subo na tua mão
veredas,
mourejo o coruto de Alfátima
pelos figos que a lenda urde.
Lá em cima, escuto o rumor
das faldas 
do Castro Verde
e dos prantos que a penha verte.
Depois, vigio a cabeça
sem corpo, do velho, que falta,
deve andar no pastoreio.
E vou ao
Vale do Rossim
espalhar-me pela água a meio.

Por estradas
esburacadas
chego às Penhas Douradas.
No maior Tor fico miúda
e chamo, cheia de coragem:
- Oh cântaroos!
Os, os, os...
Sussurra do além a paisagem.
Atalho chalés e pinheiros
fixa no Fragão do Corvo
ninho de rocha a apontar
para a explosão
de relevo
do Zêzere e do seu glaciar.

Observo
o Observatório
mas digo adeus ao cenário
quero ir ao Mondeguinho
para cumprir a tradição
de o saltar
ao pé-coxinho.
Invocação de água, evocas
os fluxos da emigração
a esvaziar as barrocas
e a acelerar a erosão.
Educas
no desapego
aldeias, que perdem o jogo.
 
Vem o fusco
piam sombras
o fresco estala o calor
e surge a madrinha beirã
o teu dossel, Aldebarã, 
para aconchegar-te 
o burel.
Traz leite da via de estrelas
e grilos no breu, a rebate.
O tempo irrompe por dentro.
Serra gigante, embrulhada,
a dormir
na diagonal
das sortes de Portugal.
23.10.23




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