“Oh diabo!” Como é que tinha chegado àquela situação?
Uma cantilena antiga ecoou-lhe na memória: “Chico-penico! Chico-penico!”
… Vinha do recreio e das ruas, de quando os outros putos queriam vê-lo espumar. Chiquinho era um miúdo franzino, com uma força na guelra que só mais tarde lhe chegaria aos braços. Dava gozo espicaçá-lo!
Só que, no salto da idade, o “Chico-penico” cresceu em “Xicão”, adotando um X, mais estiloso. Impulsivo, chamavam-no para impor respeito e apartar confusões. Por isso vivera muitas, tantas que o corpo parecia um álbum fotográfico, acumulado de marcas. Mas o álbum foi-se esgotando, como uma caderneta de cromos gasta.
Assim, sem confessar, ficou agradecido quando o
puto “Marquito” por acaso cresceu para se chamar “Marcão” e ele pode finalmente passar a
ser o “Sr. Francisco”.
O trabalho que o deixava ser “Sr. Francisco” surgira como tudo na vida. Alguém precisava de qualquer coisa e ele reagia, sem pensar.
Francisco tinha jeito para motas, souberam disso e
chamaram-no. Depois aprendeu o resto. Só a partir de então tomara a vida nas
mãos: escolhera uma casa, escolhera a mulher, escolhera a igreja, a paz e o
sossego. Por consequência chegaram-lhe contas, filhos, sermões, achaques e
dores nas costas.
Agora porém, à saída da oficina, espantava-se com a visão da dianteira do carro, fumegante, espetada na lateral do automóvel de um cliente.
O tipo tinha-o xingado de “Xico-esperto”… e Francisco avaliava-se
pela primeira vez: “Oh diabo! Seria
possível alguém mudar? Ou só mudavam as circunstâncias e aquilo que nos deixavam
ser?”
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