Fui
Um dia fui para a guerra e estive lá.
Tomou-me vinda de fora,
nos estertores das armas,
nas pernas brutas correndo montanhas,
nos punhos fechados que puxam e nos abertos que empurram,
no aço frio que corta a gume, mais que a bala,
na urgência de agir em silêncio e de imediato antes do grito.
Fui correndo ao medo, para o medo...
E ela possuiu-me, tendo-a eu possuído.
Tive a guerra.
Tive a guerra dentro do peito a toda a hora,
encerrada e expelida às golfadas ao rufar dos tambores.
Ansiosa a romper as entranhas, desvairada, contorcida,
Reactiva até aos silêncios, que a pouco e pouco desapareceram.
O rugir. O clamor que tomou conta dos membros,
Até que deixasse de ser possível imobilizá-los jamais,
Pará-los do perpétuo movimento, um instantinho que fosse,
Para descanso.
Doí-me da guerra.
Doí-me da guerra histérica e cansada sem saber como soltá-la,
Como desprender-lhe os cheiros dos cabelos e raspar a fuligem da pele.
Soldado recrutado por dentro, sem direito a licensas nos momentos mortos,
sem hipóteses de deserção.
Consumida no desvario do hábito reactivo aos vislumbres de dor,
de orgulho, poder, impotência e pranto.
Sem mapa ou outro mundo para onde pudesse fugir,
Carregando por todo o lado a caixa das munições,
Sempre pronta a disparar.
Porquê?
Não lembro inícios ou porquês explicados.
A minha origem da guerra... É que fui, estive e estou lá.
É que a tive e tenho... e que me doí histérica.
Os hurros, a exaustão, as munições em permanência,
Os gestos hábeis, reconstruindo as memórias do corpo,
Condicionaram o que o passado foi... e é só presente que resta.
Reagindo a seco, de ofensa em ofensa, sem cessar fogo.
No entanto, por entre os clarões do fundo da alma...
o paradoxo é que... Subjacente à força da guerra...
o desejo profundo é de paz.
R.I.P.
(24.09.08, Coimbra)
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