24 de fevereiro de 2009

Fui à guerra

Fui 
Um dia fui para a guerra e estive lá. 
Tomou-me vinda de fora, 
nos estertores das armas, 
nas pernas brutas correndo montanhas, 
nos punhos fechados que puxam e nos abertos que empurram, 
no aço frio que corta a gume, mais que a bala, 
na urgência de agir em silêncio e de imediato antes do grito. 
Fui correndo ao medo, para o medo... 
E ela possuiu-me, tendo-a eu possuído. 

Tive a guerra. 
Tive a guerra dentro do peito a toda a hora, 
encerrada e expelida às golfadas ao rufar dos tambores. 
Ansiosa a romper as entranhas, desvairada, contorcida, 
Reactiva até aos silêncios, que a pouco e pouco desapareceram. 
O rugir. O clamor que tomou conta dos membros, 
Até que deixasse de ser possível imobilizá-los jamais, 
Pará-los do perpétuo movimento, um instantinho que fosse, 
Para descanso. 

Doí-me da guerra. 
Doí-me da guerra histérica e cansada sem saber como soltá-la, 
Como desprender-lhe os cheiros dos cabelos e raspar a fuligem da pele. 
Soldado recrutado por dentro, sem direito a licensas nos momentos mortos, 
sem hipóteses de deserção. 
Consumida no desvario do hábito reactivo aos vislumbres de dor, 
de orgulho, poder, impotência e pranto. 
Sem mapa ou outro mundo para onde pudesse fugir, 
Carregando por todo o lado a caixa das munições, 
Sempre pronta a disparar. 

Porquê? 
Não lembro inícios ou porquês explicados. 
A minha origem da guerra... É que fui, estive e estou lá. 
É que a tive e tenho... e que me doí histérica. 
Os hurros, a exaustão, as munições em permanência, 
Os gestos hábeis, reconstruindo as memórias do corpo, 
Condicionaram o que o passado foi... e é só presente que resta. 
Reagindo a seco, de ofensa em ofensa, sem cessar fogo. 
No entanto, por entre os clarões do fundo da alma... 
o paradoxo é que... Subjacente à força da guerra... 
o desejo profundo é de paz. 
R.I.P. 


(24.09.08, Coimbra)

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