29 de dezembro de 2024

O que é que achas?

O que é que achas? 

O que queres que te responda? 

Qual é a tua opinião? 

Acho que raras vezes alguém quer opiniões
de facto. E se me sairem
ideias diferentes, quando 
o que tu queres mesmo é uma
concordância disfarçada
 de opinião?

Oh, lá estás tu! 

Para poder dar-te a "corcordação"
tens de me dizer a resposta.
 

Esquece, pensas sempre ao lado. 

Talvez por isso vejo
que raramente alguém 
quer opiniões, mas às vezes 
consigo deixar-te 
feliz. Qual é 
a "concordação" que queres,
para eu ver se há?

28 de outubro de 2024

Nevão

Neva na Serra e
ninguém disso duvida
mas daqui do sopé
já ninguém a vê
e daqui do sopé 
já ninguém 
lá vai.

Sumiu uma Serra 
na magia branca 
apagou-se translúcida 
entre os lábios dos céus
e só a fé afirma
que regressará.

A Serra escondeu-se 
mas o Serrano sabe
que assim deve deixá-la.
O amor das alturas a devolverá 
mantilhada a cristais
e penugens de anjo
o saldo natural do celeste beijo
e virá prenhe de frio 
e de regozijo.

Beija-nos a Serra 
um tremor nublado.
Ninguém disso duvida
mas já ninguém a vê 
nem alguém a subirá 
porque a brancura é pura

mas o nevão é privado.

28 de setembro de 2024

O bule

O bule de loiça 
não cheira mas
tem uma flor à superfície 
e duas faixas azuis.
Ficou lá na casa dele
num armário atrás do vidro
vazio à espera
sem se incomodar
com a ausência de chá 
e biscoitos
ou leite a ferver.
Eu não sou 
um bule e
cheira-me a outono na rua.

25 de setembro de 2024

Duna noturna

O feitio da noite desperta
o lado reverso 
da razão 
mas exige também solidão 
antes de permitir 
descer a pique
pelas vertentes das pirâmides do Egito 
sobre um par de skis
num ocaso vermelho de velocidade
Ssssss
deslizo até... 
ao fofo da duna.
Tamanha experiência
requer extinguir a luz 
que cega 
ao enrolar na areia 
como o mar.
O feiti(ç)o é esse.

18 de setembro de 2024

Roleta russa

A oração anterior veio cedo de mais e não teve efeito. Já ontem e depois hoje as ondas laranja subiram pela capa negra e chegaram novamente à boca da noite. O vermelho fulvo e os cinzas, entremeados, reforçaram as sombras do dia. Tudo é fosco, sempre fosco, de dia. Tudo é aceso e contrastado em noites destas.

O mundo é iridescente e elétrico e acorda uma vigília ansiosa que só é conhecida por quem repete, ano após ano, o mesmo susto ou a mesma desgraça através de ábacos intermináveis. Ano após ano a contar as desgraças, a superar as desgraças, a evitar as desgraças, a contornar as desgraças, a temer as desgraças. As mesmas desgraças anunciadas anualmente. Só que não batem sempre à mesma porta. As portas mudam-se e as portas repetem-se. Os matos mudam-se e os matos repetem-se. 

Qual vai ser a roleta russa do ano? De onde vem disparada a flecha vermelha que vai cortar o ar? A mim, aos meus, o vento cai-me este ano no negro ou no vermelho? 

"Não quero jogar" sussurro aos deuses. E peço antes o verde e o ar claro. Quero respirá-lo, inalá-lo a reter a beleza e a afastar o temor. 

Faço as persignações e as rezas que fazem todos os que se sabem expectantes do movimento da roleta que gira e gira e gira e às vezes pára e acerta num sítio qualquer. "Que não seja o meu, o dos meus, pelo menos". Mesmo que se tenha feito o trabalho de casa e limpo as matas, se a chama vier forte será o que for. Até que os vários elementos da natureza decidam amainar-se. Morrem menos, renascem melhor, mas ardem na mesma, os verdes. 

Contraio-me, a pedir mais uma escusa, enquanto a roleta gira os pontos cardeais do vento. Contraio-me nestas datas todos os anos do que parecem ser eras inteiras de inevitabilidade (que não acredito que seja mas que não creio ser possível mudar só individualmente, o problema é de fundo e é coletivo, é de território, é de ocupação, é de gestão de vários aspetos).

E todos os anos chega o fumo a acordar os traumas, ou a acender as tramas dos complôs de cafés mais ou menos bebidos, mais ou menos parciais. Depois, depois há uns quantos que "chateiam" com isto todo o ano, mas no geral assobia-se para o lado e espera-se que o clima resolva no ano seguinte.

Pois sim...

A floresta arde-nos o país mais uma vez, mas esse é um dos poucos sujeitos de frase que nada pode fazer a este respeito, tal como o vento ou o verão. Adaptamo-nos ou não? E a quê?

9 de setembro de 2024

Ardor de verão

A pele macia e dourada 
do sol de verão 
rasgou-se nos joelhos
e nas palmas das mãos 
de encontro às pedras 
e ao pó do chão.

É habito que esta estação 
nos deixe a arder à superfície
mas este ano tem sido exceção.

Sinto o ardor e então 
sorrio grata 
ajoelhada na cova furtiva
ali desejo que esta metáfora 
finde a anual tradição.
Já foi cumprida.

17 de agosto de 2024

Bella vulgaria

A vespa gigante infiltrou a casa
saída da noite a escutar a luz
elétrica atacou as paredes
brancas 
a batuques nos estuques
de esbaforir quaisquer gentes
Apaga a luz, abaixa-te aí!
Acende a da rua, a ver se ela sai!
Bréu sonoro por segundos

mas zumbe um bizarro banzé 
O que é isto? 
O que é que é?
Com as asas embaraçadas
a vespa espetou-se na teia do beirado 
e agora esperneia
aterrorizada depois de aterrar
Para ela acorre uma aranha
a seda soou ao jantar e
os oito olhos luzem de sanha 
ao vir com zelo reforçar a cadeia
por onde a vespa rabeia
não se vai deixar roubar
Quem achas que vai ganhar?
A aranha fia 
para ver se a enleia
e se com as queliceras a estonteia
mas a vespa inteira retorce e guerreia
e de ferrão erguido torneia e golpeia
Vê a vida por um fio 
e teme a ironia desse epitáfio.
Coitada da vespa! Já foi!
A aranha insiste 
tenta picar e fia mas
a vespa estrebucha com resiliência 
e tanta força faz 
que a aranha se afasta
libertando o fôlego da contorcionista
para romper a cadeia
e reaver a esperança
levando consigo as presas da teia 
A vespa escapou!  Protejam-se! 
Parece furiosa 
mas estampa a beleza
cruel e ardilosa 
da natureza




9 de agosto de 2024

Insónia

A hora certa de dormir
passou sem que a agarrasse 
e a mente deixou-me à espera 

do regaço da inconsciência
a ir 
e vir 
de cansaço
de corpo alerta 
e sem paciência.
Está calor frio entre os lençóis 
adesivos 
aos tempos contados
e enrodilhados nos dedos  
dos pensamentos suados
e dos gestos atrapalhados.
Levanto, como, deito
conto carneiros e canto
Contorço, deito 
levanto
livro fechado, 
livro aberto,
água fria e depois
chá quente
quase 

Que nervos, de novo desperto! 
Tudo geme nesta teimosia
da vigília a bruxulear
força ausente e em demasia
que não se deixa aquietar.

Foi tolice 
deixar fugir a hora
e dormente fico a pensar
que a IA, sendo um prodígio
libertador do esforço humano,
bem podia inventar um relógio
para agarrar as horas do dia
e sempre que a certa passasse
a apanhasse e reservasse
para quando 
me conviesse.
 
Amanhã 
quando 
acordar 
vou
...

30 de julho de 2024

Clickbait

Fait divers à Paris et Click... Bait... 

Seis Nadadores abandonam a aldeia olímpica! e vão para um hotel mais perto da piscina. 

Por Poseidon, é escandaloso!

Nem vais acreditar no que ele andou a fazer! Que infame é a vida de V e Z, famosos que "fazem" sexo, mentiras e vídeos, como se fossem mortais. O sexo é que tem de ser de cartão e só depois da Prova, já que a Organização dos Jogos Olímpicos pede desculpa pelo quadro "A Última Ceia". Essa que nunca o foi mas se revelou indigesta aos estômagos de monoteísmos rivais, esquecidos da História plural do Olimpo.

Ah o gume de Apolo tragou Maria Antonieta, qual Medusa, sem menção às barbas de São João Batista deixadas em outros livros. Que herético Metal!

Entretanto, sob os Céus dos divos, às vezes também se fala de atletas, sobretudo os que surgem em Fotos em calções de banho e são alvo de atenção, enquanto os iscos pescam cliques de canas eretas nas páginas web e eu me contorço na linha do riso com o Click...(Bait ou Fake?) e reações apressadas.

Arqueio os dentes ao anzol que me reflete neste texto em fuga e fluo na corrente viva da sanidade, junto a Sequana, sem disposição para ser almoçada em festins de audiências. Que Afrodite e Dionísio nos livrem do clickbait, da batota do pensamento único e sobretudo dos públicos púdicos.


28 de julho de 2024

Lápis e tintas na Casa da Cerca, Almada

 

Casa da Cerca, Almada

Regressos aos lápis e tintas, a um passatempo perdido nas juventudes. Por isso têm este ar ingénuo, sem técnica, mas talvez por isso também sabe tãaao bem 😉😁

27 de julho de 2024

Exprimir o inexprimível

Um obscuro inexprimível
interpela-me 
Estico-me e torço-me
ele assoma e retrai-se 
abandono-o 
e ele
espelha
além a imensidão
Volto a fuçar, a esbracejar,
as unhas agudas esgravatam o algo
mas a língua enrola e a mente cola
quando ele corresponde a si
intocável 
Deixa-me só intuir 
que talvez seja múltiplo
como a funda vertigem
da luz estrelada à noite na Serra
Aceito em silêncio 

15.07.24 

18 de julho de 2024

Nápoles e a coleção de Maradonas (1 de 3)

 

Viagem a Nápoles

A intensidade da viagem na Páscoa e depois o regresso ao trabalho intenso no início de abril não deu tempo para a síntese. Hoje houve tempo e vontade de organizar e guardar aqui uma memória da viagem com a Joana e o Edward. Vai ser em conjuntos, Nápoles, Pompeia, Herculano e o Vesúvio.

La Bella Napoli tem paisagens, edifícios, castelos, palácios, subterrâneos, igrejas (sobressai o Barroco), gastronomia e ruas animadas que são fantásticos mas depois também surpreende em vários pormenores e simbolos.

Fomos em altura de festas da Madonna dell'Arco e na primeira noite a cantoria era tal que parecia estar dentro de casa. Claro que saí à rua e deu para ver algumas das festas organizadas pelas coletividades locais, com andores e jovens porta estandartes que faziam acrobacias, enquanto outros batucavam, tocavam e cantavam. 

A História da Madonna del Arco conta que em 1540, na 2ª-feira de Páscoa, um jovem fica irritado por ter perdido um jogo (pallo-malo, pareceu-me ser uma espécie de croquet), chama nomes à Madonna e atira-lhe a bola à cara. A imagem começa a sangrar e a multidão grita que é milagre. Perseguem o rapaz, que é levado à justiça e condenado à morte. Quando vão enforcá-lo numa tília, a árvore murcha e a multidão percebe que ele deve ser perdoado. A história continua a instigar grandes festas numa cidade que me pareceu muito devota e fervorosa. Outro exemplo disso é a quantidade incrível de oratórios e ex-votos que existem nas ruas das áreas mais antigas.

Por isso um dos passatempos desta viagem foi colecionar fotos de oratórios (há por todo o lado e nos sítios mais estranhos). Mas aquilo que mais me surpreendeu foram as efígies do Diego Maradona também espalhadas por tudo o que é sítio e pormenor. Aqui fica uma parte da minha coleção (que é maior). Foi um passatempo curioso catar Maradonas 🤪 em Nápoles.


Viagem a Nápoles graffiti de Maradona

Pompeia (2 de 3)

 

Visita a Pompeia, espetacular

No trajeto de Nápoles a Pompeia, falávamos dos bilhetes e comentava eu que visitas de 3 dias a um só sítio arqueologico me pareciam excessivas. Um dia parecia-me mais que suficiente. Pompeia não seria Roma 😅 eheheh... Três dias? Que disparate!

Nunca tinha ido a Pompeia (mas sim a Roma que na altura me impressionou) e estou mais habituada à escala dos Romanos em Portugal (pois sim, eheheh). Mas já tinha estudado  a Cidade, já tinha até ensinado Pompeia aos alunos. Vi e mostrei fotografias e videos, explorei com eles a página web do Museu e as visitas virtuais. Conhecia notícias das descobertas mais recentes e até promovi uma atividade inspirada em Pompeia em que os alunos fizeram maquetes de cidades romanas para articular com os vulcões que tinham de fazer em Ciências Naturais. Em suma, achava que sabia umas coisinhas 😅. Três dias? Foi a arrogância da ingénua, ou da ignorante, que vai dar no mesmo 😅

É incrível, aquilo que lá está é muito maior e mais especial do que imaginava e estou muito grata por ter ido lá  🥰. Claro que um dia não foi suficiente, nem de perto, para toda curiosidade e entusiasmo, para todos os detalhes da vida comum que se multiplicavam a cada rua, a cada construção. Mas esforçámo-nos por ver o mais possível das coisas que cada um queria e sabia e teve energia de conseguir. Andámos até em busca das novas descobertas, lidas nas notícias, mas afinal ainda estão em área reservada, não aberta ao público. Claro que não vimos nem metade da Cidade e que com os novos trabalhos em breve haverá mais para ver.

Pompeia é um sítio fabuloso que aconselho a toda a gente...  e espero que o texto reflita o quanto me senti pequena perante a História que ali se nos revela e sobre a Humanidade e o Saber Científico sobre ela. Senti-me pequena mas viva e cheia de curiosidade, renovada criança. Faz bem sentir essas coisas, relativizam-nos, reposicionam-nos.

Claro que foi muito difícil escolher fotografias para Pompeia. Fiz dois conjuntos e falta imensa coisa 😉 mas é a síntese conseguida por esta stora-arqueóloga-miúda. Aqui fica a minha síntese de memoria de uma das grandes cidades memória que ainda podemos contemplar.

Visita a Pompeia, espetacular


Herculano e o Vesúvio (3 de 3)

 

Visita a Herculano e ao Vesúvio

Em Herculano (Ercolano) além de toda a História e estórias (dos pormenores do barco ou das pessoas que fugiram para a praia) dos frescos e mosaicos, dos metais, das estátuas, dos edifícios, aqui impressionaram-me as madeiras preservadas... Madeiras... nas portas em caibros em escadas... Madeiras trabalhadas, com detalhes 😮. Espetacular 😍.

A dimensão original e a área escavada são muito mais pequenas do que em Pompeia e quando fomos já tínhamos ficado maravilhados com essa imponência, mas Herculano conquista da mesma forma com os seus pormenores de vidas e espaços humanos interrompidos e parados no tempo. 

Depois das visitas às cidades... Era preciso ir conhecer o portento visível de toda a parte. A subida ao Vesúvio é tão enorme que só aqui cabem partes do topo da cratera 🤪

Cratera do Vesúvio

Cratera do Vesúvio


13 de julho de 2024

Queixinhas em palavrões

€@#&£!
Estou cansada
da matéria a transmutar
sempre e sempre e sempre 
"Nada se perde..." e tal...
"Tudo..." e tal... sempre a mudar
Mas é sobretudo um fastio
se a matéria não transmuta 
e não cria metamorfoses
ao sabor dos meus palpites
(atacam-me palpitações)

Enfim, 
talvez seja só fadiga
e este texto um pretexto
de fazer queixas à Vida
para ver se a endireito
Quem sabe ela ouça melhor
se usar destes palavrões 
em vez de "puta de merda,
cona e caralho, cabrões"
(que são uns que tenho usado
embora sem resultado)

Diz lá Vida, como é que entendes?
É de usar um dicionário?

7 de julho de 2024

O Puzzle


Tenho aqui dois mil pedaços 
de uma Cidade
na mão  

Tenho em mim a ousadia
de tornar o caos razão 
de dar lógica à abstração 
e organizar a entropia 
de uma caixa de cartão 
uns minutinhos ao dia  

Tenho o tempo e a alegria
Mas saiu-me a mão aziaga
e escolhi a peça isolada
guardada na caixa errada 

Gastei um tempão 

numa Cidade à espera 

em vão 

22 de junho de 2024

Matutinar

O anseio da vida agora
escorrega do além
repentino como um berbequim
a dissipar a névoa do sossego.
Não achas cedo? 
- Negoceio -
Que tal novo abraço do nada?
Dobras fofas e imateriais?
Pedaços de possíveis? 
Só estar?
Não não, estalam as ferramentas
Há um corpo para emoldurar
Há roupa para o estendal
Há ideias a preencher
Há sol na rua a chamar
Há pessoas e horas certas
é imenso o potencial
de tudo o que podes fazer.

Caramba, são 6 da manhã!

Pois, devia ser proibido começar as
obras interiores antes das 10,
mas ninguém regulamentou isso.


11 de junho de 2024

Escolha





Encontrar-te.
Abraçar-te e dedicar-me.
A ti, de entre todas as possibilidades.
Como se escolhe um pensamento
de entre tantos que se abeiram?

8 de junho de 2024

Imperfeição


A imperfeição humana não é para eliminar e sim para gerir (tal como se diz atualmente da dívida pública). Não se consegue chegar à perfeição, porque é sobretudo uma ideia, ainda por cima variável. Mas não gerir a imperfeição e aceitá-la como vier também é um erro de vistas curtas (tão grande como não gerir a dívida). Não é possível eliminá-la, nem adianta fingir que não existe... Só resta gerir e tentar que provoque o máximo de vantagens e o mínimo de estragos. 

A condição humana de conceber ideias imateriais, mas só conseguir realizar coisas concretas é, para mim, uma das maiores fontes de encanto, frustração e empatia para com os seres humanos e para comigo.


Cofres vazios nos Estaleiros da Lisnave, Almada











Cofres vazios, Estaleiros abandonados da Lisnave, Almada, 2024

3 de junho de 2024

Corrida

Passo, calçada, 
passo, calçada,
respiração aberta, passo, calçada,
o corpo em dianteira passa, a calçada,
passo, calçada, 
a cabeça agitada,
passo, calçada, passo na estrada,
passo, estrada, a passadeira passa,
passou pensamento, passo, calçada,
passo, calçada, 
passo, calçada, 
na marginal ao mar, passo, calçada,
o pulmão inebria, passo a calçada,
passo, calçada,
passo, passo, passo, passo,
passo, calçada, 
passo, calada,
que a corrida esvazia, 
seja abençoada
passo, passo, passo, passo.
até à paz desejada.

1 de junho de 2024

Programas

Comece a escrever
diz-me o programa de notas no telemóvel
obedeço e copio-o
abaixo do Título
colo.
Em que estás a pensar?
pergunta o Facebook
É mais difícil 
Não pensava em nada
mas a estratégia de adesão 
destes programas
interpela-me.

Ah perdão,
O Facebook está fora de moda
e Programas já não há
só Aprendizagens Essenciais
e PASEO em sigla
Quase penso
Passei?
Sim, é de perfil de alunos que se fala
e de perfil é mais fácil
basta encolher
a barriga
nas grades das grelhas e aplicar
as instruções das apps.

Habituamo-nos cedo
a cumprir.


12 de fevereiro de 2024

Feriado

O tempo livre da manhã cedo
ping
a
do beirado alaranjado 
de telhas de meia cana
ping

porque molha tolos
por entre o café quente
do feriado enrolado
à janela fria que
pin
ga 
quieto a ver a luz nos prismas
das pin
gas
que agarram a paz do dia intacto 
São pin
gas de inverno
que então me acordam
porque decidem
pingar
potenciais e ideias 

Resisto já sem café 
mas os cenários do dia
pingam pingam
mais pesados
descaem-se do céu nervosos
pinga pinga pinga
O que vais fazer?
Como vais aproveitar 
antes que acabe?
pinga pinga pinga pinga
Isto mais isto ou aquilo
pinga pinga pinga pinga
aqueloutro e mais três 
pinga pinga pinga pinga
O dia é livre tudo é possível 
pinga pinga pinga pinga
Que ampulheta é esta
que me chove cá dentro?
É tortura chinesa
Já não se pode estar só
sossegado?

Pinga pinga pinga pinga 
Pinga pinga pinga pinga

Pronto, está bem, já fui.


7 de janeiro de 2024

Cisterna

Tudo o que não
fiz
acelera
somado a tudo o que fiz
mal feito
e atravessa-se à minha frente
e atropela-me certeiro
o peito
Nem o banco de jardim
me salvou do camião -
- cisterna
 

mergulho
na sua profundidade

escura

07.01.24 

29 de dezembro de 2023

(Diz) Farsa, Origem da Alma



Estava eu a pesquisar no Google este blogue, para aceder mais depressa e topei com esta música, via YouTube, que não conhecia, com um título muito familiar 😁. 
Ouvi e adorei o som, o peso, a letra. Que descoberta fixe hoje. Por isso trago-a para aqui para junto das outras farsas, disfarces e coisas que são ditas. Grande som e letra🤘😁 

27 de dezembro de 2023

Sacode

O medo traz muitos olhos
a espreitar dos cantos
a insegurança e os perigos
Mas quando se fixa
como ângulo de visão 
torna-se os olhos de ler a vida
e deturpa a luz 
como mágoa 
gelatinoso, azedo, arrastado,
ou exuberante aos gritos
Deturpa até as sombras
povoadas de "ses"
e relê toda a estória 
O medo filtra as papoilas
o ritmo das borboletas
e escoa a dor
para a chávena de beber certezas
cheias de razões 
deitando as borras no lixo
Quando o medo se fixa
e o medo são olhos vesgos
e o medo entupiu os filtros
é inútil 
estragou-se
está na altura de o desencravar
de deslocar os ângulos
agitar tudo
e olhar por outro prisma
Sacode!

28.12.23 

9 de dezembro de 2023

Bétula Branca

Ensinaste-me na Serra a escrever 
na casca da Bétula Branca
Mais tarde ofereci essa ciência ao Amor
e com surpresa ele aprendeu
Foi por isso que recebi as Cartas das Cascas 
que guardo numa gaveta
Por causa de ti e de ti que não se amavam
Por causa de mim que amava os dois
Por causa da Bétula Branca 
e dos seus costumes na Serra

Ainda bem que não me ensinaste a fazer chá 
A Bétula Branca tinha perdido as palavras
e eu o encanto com que lhe toco

um encanto a segredar por trás das cascas

9.12.23

27 de novembro de 2023

O espelho: Artifício interligado AI

Off/ On
macaco de imitação
gerador de criação
Sem pulso/ Impulso
diferença de potencial
com potencial na diferença 
Máquina/ Humana
artifícios interligados
por universos de dados
Alexa/ Ana
Siri ou Cortana servem,
sem ser à mesa, os Senhores
Chatbots/Operadores
precisos eletrões em dança
a linguajar nos corredores
Neurais/ Neurónios
por redes fundas a disparar
sinapses com alvo ao futuro
ChatGPT/ tanto a ler
só porque uma vez explodiu
um espelho na casa de Turing
É lógico/ às vezes
e pouco depois Macarthy IA
precisar de pentear as barbas
É Reflexo/ Real
da libertinagem de zeros e uns
na tela plana, espectro de luz
Algoritmos/ Alimentos
Digeres assim, DABUS?
Veremos
e entretanto a bolsa engorda
da cotação de empresas de
AI!
espelhos sem patente!
Ups/ hide down.

11.2023

23 de outubro de 2023

Nos trilhos da Estrela

Serra da Estrela vista do sopé

Ao chegar
vejo-te ao longe
ensimesmada gigante,
Estrela minha, ascendente,
e a cada sazonal regresso
tu quieta
do teu regaço
ofertas-me os vales e montes
de quem anseio um abraço
dispões lagoas e fontes
para desaguar do cansaço
e vestes 
a mais viva cor
rubra em matizes, no ocaso.

Cerzida de urze
e giesta
por entre granitos rolados
embalas os filhos nos galhos
que resistem à razia
de incêndios
acumulados
de solos abandonados
e dos invernos de idades
a carpir-te de saudades.
Serra que gera e que morre
solidez que gela
mas chove,
ciclo natural de esperanças.

Subo na tua mão
veredas,
mourejo o coruto de Alfátima
pelos figos que a lenda urde.
Lá em cima, escuto o rumor
das faldas 
do Castro Verde
e dos prantos que a penha verte.
Depois, vigio a cabeça
sem corpo, do velho, que falta,
deve andar no pastoreio.
E vou ao
Vale do Rossim
espalhar-me pela água a meio.

Por estradas
esburacadas
chego às Penhas Douradas.
No maior Tor fico miúda
e chamo, cheia de coragem:
- Oh cântaroos!
Os, os, os...
Sussurra do além a paisagem.
Atalho chalés e pinheiros
fixa no Fragão do Corvo
ninho de rocha a apontar
para a explosão
de relevo
do Zêzere e do seu glaciar.

Observo
o Observatório
mas digo adeus ao cenário
quero ir ao Mondeguinho
para cumprir a tradição
de o saltar
ao pé-coxinho.
Invocação de água, evocas
os fluxos da emigração
a esvaziar as barrocas
e a acelerar a erosão.
Educas
no desapego
aldeias, que perdem o jogo.
 
Vem o fusco
piam sombras
o fresco estala o calor
e surge a madrinha beirã
o teu dossel, Aldebarã, 
para aconchegar-te 
o burel.
Traz leite da via de estrelas
e grilos no breu, a rebate.
O tempo irrompe por dentro.
Serra gigante, embrulhada,
a dormir
na diagonal
das sortes de Portugal.
23.10.23




15 de outubro de 2023

"O poema que não existe" da Grande Coisa




"O poema que não existe"🥰, uma homenagem da Grande Coisa a todos os poetas que lutaram contra regimes opressores nos séc. XX/XXI e lhes resistiram, bem como à beleza que perdemos quando foram torturados e/ou pereceram... 

Podem ver a instalação no FOLIO - Festival Literário Internacional de Óbidos 2023.

1 de outubro de 2023

Sair de Si

Nós,
redondos do ócio
de apenas estar,
inúmeros
planos
decepados.
Somente nós,
marcados dos anos
como dedos de ramos
ausentes das histórias
das árvores do teto,
que me espiam
solta na cama
a vê-los.
Nós
como olhos
maquilhados
a reverberar eras
concêntricas de esperas
de pinho ou carvalho
discretos nos móveis
atalaias de soalho
bulício de copa
cortada.
Nós
cegas feridas
de um corpo fixo
de raiz no relógio de areia
de química e micélio a conversar
sob o solo do bosque em rede.
É uma existência tão díspar
que apenas se concebe
ao sair de Si

e chegar
ao Dó

Sair é difícil
Há tantos
nós


01.10 de 2023


16 de julho de 2023

Polisulfato sódico de pentosano

Várias rídulas,
duas rugas,
uma variz,
que soa mal sem
o plural,
mas esse que não venha
e se fique a veia, 
só, 
varicosa.
(O André ia rebolar-se,
de língua,
por esta palavra.)
Por Guimarães!
Soam aqui ecos 
do Barreto Luís,
Oh mano João!
E de Leiria
veio o Mário Henrique.
Deve ser da idade
e da falta de exercício.

Prescrição da web:
corridas, 
mezinhas,
cremes 
impronunciáveis.
O tempo engole-me e

... penso é em férias. 
Além de varizes,
o tempo também traz as férias.


16.07.2023 

9 de julho de 2023

Meia-lua

Tisnado de caracóis
ao vento, 
surges-me, desgrenhado,
como um gato de Cheshire.
Ora aqui.
Ora não cá.
Chegaste, de sorriso ao céu,
mágico ao peito,
e soltaste essa meia-lua,
tantas vezes encerrada.
Ah
foi por essa meia-lua
que valeu a pena ser gato,
que valeu salivar por bolos,
que valeu espiar o fumo,
do chá,
por entre tambores
e fiordes
à mesa do Chapeleiro.
Ah,
ora não cá,
ora aqui.
Sentaste o sorriso na árvore
a gozar com quem passasse
e uma Alice confundiu-te
com o Tom Sawyer
de outra história.
Sabia pouco de literatura
e da ortodôncia da lua
que ora é aqui,
ora não cá.
Mas ainda bem
que afinal és um gato
de Cheshire.
"Ora não cá, ora aqui"
faz muito mais sentido,
e esse "não cá"
é mais impossível
do que a
meia-lua ser tua.

ao André 

09.07.2023

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